terça-feira, 8 de janeiro de 2013

E se atrevam acreditar que não...:67% acreditam que violência contra a mulher é culpa dela

E se atrevam acreditar que não...:67% acreditam que violência contra a mulher é culpa dela


“Eu só vou ter paz no dia em que eu morrer”. O desabafo é de Josefa (nome fictício), 55, que há 42 anos é casada e sofre agressões psicológicas de seu marido. Ela é uma entre tantas mulheres que são vítimas de violência doméstica e sexismo no país. De acordo com uma pesquisa desenvolvida nos estados da Paraíba, Rio de Janeiro e Tocantins, 67 % das pessoas acreditam que a violência contra a mulher é culpa dela própria, e, 64% acreditam que esse tipo de violência não deve ser combatida. 
Josefa não é de falar muito. Com poucas palavras, ela diz o que a incomoda todos os dias. “Ele me agride com palavras e eu me sinto muito ofendida”, declarou. Ela sofre com o sexismo hostil, que é o preconceito direto contra a mulher.
Ela revela que já procurou ajuda psicológica, porém não continuou o tratamento. O que a fez mudar de ideia quanto à continuidade foi o comportamento de seu marido. “Eu já procurei ajuda uma vez e ele ficou muito triste com isso. Ele me disse que era o jeito dele me amar”, disse. 
Da mesma proporção em que ele a trata mal, ele a quer por perto. Muitas vezes já pensou em deixá-lo, mas não o faz porque acredita que ele nunca a abandonará. “Não adianta se separar não, ele sempre vai atrás de mim”, disse. Ela criou seus quatro filhos num lar que ela nunca desejou. Josefa conta que as humilhações eram muitas e na frente dos filhos. “Ele já levou outra mulher para minha casa. Fiquei com muita raiva e pedi para ele decidir entre ela ou eu. Ele falou que rapariga é só para brincar e eu seria para toda vida, para humilhar e pisar”, desabafou.
É a partir do preconceito que se gera a violência doméstica. No caso de Josefa, seu marido já tentou agredi-la fisicamente, porém, não conseguiu êxito. Segundo ela, o que faz seu marido recuar é o fato dela ser a proprietária da casa onde vivem e porque os filhos que ainda moram com eles não permitem. 
“Ele já levantou a mão para me bater, mas eu não deixo não. Ele não pode me tirar de minha própria casa. Meu caçula me ajuda, é o único que não gosta como o pai dele me trata. Aí ele não insiste em bater e fica só me xingando”, comentou.
127 homicídios
Segundo a Secretaria de Segurança e Defesa Social, no período de janeiro a novembro deste ano foram registrados 127 homicídios femininos. O psicólogo Nilton Formiga afirma que até pouco tempo não havia nenhum tipo de instrumento que mensurasse a violência doméstica contra a mulher. “Eu não conheço nenhuma pesquisa até esse momento que se mensure a violência doméstica contra a mulher sob olhar da psicologia. A crítica que faço nesse trabalho é que se preocupam com a violência doméstica porque mulheres estão morrendo, mas esquecem de ver o preconceito contra elas, que é aonde desenvolve a violência doméstica”, afirmou.
Preconceito pode ser velado
A pesquisa, realizada pelo doutor em psicologia social Nilton Soares Formiga, trata de dois tipos de sexismo: hostil e benévolo. Esse último se apresenta de forma sutil e mascarada. Para o pesquisador, o elogio e o cuidado exagerado com o gênero feminino são características do sexismo benévolo.
“O que atualmente encontramos - tanto acompanhando o cotidiano, quanto em resultados científicos, os quais vêm confirmar praticamente o óbvio – é que isso revela, sutilmente, ser a outra face da moeda há muito conhecida: o sexismo mascarado, velado, sutil”.
Para Formiga, o sexismo benévolo, por se apresentar de forma mascarada, é um tipo de preconceito que não é tão fácil das pessoas perceberem, pois faz parte do cotidiano de muitas pessoas. “Ao tratá-la como um ser especial, frágil e que necessita de cuidados, na verdade não se está deixando de discriminar, apenas expressando tais diferenças a partir de uma forma mais discreta”, explicou.
“Elas chegam aqui arrasadas”
A delegada da Mulher de João Pessoa, Maisa Felix, afirmou que há casos de mulheres que fazem o boletim de ocorrência e depois querem retirar a queixa. “Hoje, orientamos que não se pode mais retirar a queixa. Elas recebem atendimento para que possa ser ajudada”, disse.
Nos dias de hoje, ainda é frequente ver mulheres que foram educadas para serem submissas aos homens. De acordo com a delegada, isso influencia muito, pois, muitas mulheres que prestam queixa são vítimas de violência doméstica há anos. “Elas chegam aqui arrasadas, porque estão denunciando aquele que ela escolheu para viver. Elas passam anos para denunciar, porque foram educadas para obedecer o marido. O fato da mulher vir até a delegacia para denunciá-lo vai contra todo um rito em que ela foi educada”, explicou.
Em 2012, cerca de 1.400 casos de violência doméstica foram registrados na Delegacia da Mulher, na Capital. Maisa afirma que os acusados confirmam o que mostra a pesquisa. “Muitas vezes ouvimos nos interrogatórios dos agressores que eles batem nas mulheres porque elas provocam esse instinto neles”, disse.
Intervenção
Cerca de 1.600 homens e mulheres, de idade entre 18 a 67 anos, foram entrevistados nas cidades de João Pessoa (PB), Palmas (TO) e Rio de Janeiro (RJ) este ano. As pessoas são das classes média e baixa. A pesquisa aponta que 54% das pessoas que se declaram pertencer à classe baixa assumem serem sexistas hostis e, da classe média, 46%. Com relação ao sexismo benévolo, 58% das pessoas que se declaram classe média assumem ter esse comportamento, enquanto que na classe baixa, o percentual é 42%.  Esses números apontam que o machismo ainda está evidente e que quanto menos poder aquisitivo, mais preconceituoso, machista e propenso à violência doméstica o sujeito estará. Porém, esse comportamento está em evidência na classe média. “O sexismo hostil reflete a inferioridade da mulher e a superioridade do homem. Isso ainda permanece na cultura do indivíduo. Você parte do pressuposto de que pessoas de classe média poderiam inibir esse comportamento, mas não encontramos isso”, declarou Formiga.
Preconceito
Para o psicólogo social Nilton Formiga, a pesquisa refletiu a realidade acerca do preconceito e violência doméstica contra a mulher. “Esse instrumento que desenvolvemos tem uma função positiva que é diagnosticar a tendência da violência doméstica contra as mulheres em relação aos homens. Não se pode lutar contra a violência doméstica sem antes lutar pelo direito da igualdade e da liberdade das mulheres, contra  o preconceito. Se não intervimos primeiro numa formação escolar, familiar e em entidades sociais que  estabelecem os critérios de direitos e deveres de homens e mulheres, as mulheres continuarão sendo agredidas e morrendo”, contou.

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