quarta-feira, 26 de junho de 2013

Pela Lei do Peito Livre, Pelo nome social de todo transexual ou como a Justiça entrou numa sinuca de bico

Pela Lei do Peito Livre, Pelo nome social de todo transexual ou como a Justiça entrou numa sinuca de bico

Sessão

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Erro de português  (Oswald de Andrade)
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena! Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português
Indianara Siqueira, transexual e uma das organizadoras da Marcha das Vadiasresolveu ficar sem camisa numa das marchas. Resultado: foi enquadrada por “ultraje público ao pudor”. Segundo seu depoimento, ela estava fazendo um protesto, junto com outras transexuais, chamado “Meus peitos, minha bandeira, meu direito”. Indianara, no entanto, aponta que a Justiça entrou num dilema: ” Se me condenar estará reconhecendo legalmente que socialmente eu sou mulher e o que vale é minha identidade de gênero e não o sexo declarado em meus documentos e isso então criará jurisprudência para todas xs pessoas trans serem respeitadxs pela sua identidade de gênero e não pelo sexo declarado ao nascer. Se reconhecer que sou homem como consta nos documentos estará me dando o direito de caminhar com os seios desnudos em qualquer lugar público onde homens assim o façam,mas também estará dizendo que homens e mulheres não são iguais em direito.”
Tal como teorizou Walter Benjamin, temos aqui uma imagem dialética, um instantâneo que contém em si todas as contradições. A Justiça, por ela própria, mostra que seus estranhos caminhos paradoxais podem revelar direitos para além das letras. Poderemos ter o reconhecimento do nome social tão reivindicado por transexuais, o direito às mulheres andarem sem camisa (direitos iguais entre homens e mulheres), o arquivamento do processo ou, numa visão mais cética, uma decisão que apenas prejudique Indianara e não permita conquista nenhuma.
Num só protesto Indianara ousa questionar as regras estabelecidas, que não dão conta da liberdade total em relação aos nossos corpos se identidades. Não há avanços em termos de direitos quando apenas se obedece todas as normas. Para transformar e revolucionar, há de se ter uma postura de negação do que existe de injusto. A partir do vento da mudança, vindo das ruas, a Justiça precisa rever suas próprias contradições e, muitas vezes, tem que juntar os cacos da história e garantir direitos. A existência plena vem daqueles que transcendem o que foi programado e são motores dos movimentos de transformação e do rompimento.
Da mesma forma que os transexuais  têm o direito ao nome social, podemos falar que elas e todas as mulheres têm o mesmo direito dos homens de tirar suas camisas. Vivemos um país onde é considerado muito correto um homem usar um terno europeu no calor de quarenta graus, mas indigno uma moça desfilar belamente com seu shortinho pelas ruas. Há um imenso tabu com o seio feminino em todo mundo (com exceção das diferentes culturas onde as mulheres podem expô-los). Algumas publicações caem até no ridículo de apenas esconder os mamilos, deixando todo o resto à mostra (seriam apenas os mamilos polêmicos o tabu?).
Quando as mulheres reivindicam esse direito, os argumentos conservadores sempre caem em cima do que consideram ser uma exposição desnecessária ou mesmo justificam o estupro e os abusos baseados nesta suposta exposição. Pois bem, a Marcha das Vadias, movimento que nutro grande admiração, busca colocar em pauta estes elementos. Se alguém recomendou que as mulheres não andassem “feito vadias” para não serem estupradas, elas saem sem roupa, com roupa, do jeito que querem e ainda brincam e resignificam o próprio estereótipo “vadia”. As mulheres que saírem com os seios à mostra devem ter o mesmo direito que qualquer ser humano. Pode estar vestida da maneira que bem entender, o que não permite que nenhum homem abuse dela com palavras ou violência física. Paradigmas estão aí para serem quebrados e podemos repensar o que é e o que não é atentado ao pudor.
Por ser homem, não seria correto dizer o que as mulheres devem ou não fazer. Apenas apoiar seus atos de desobediência civil e outras formas de luta. Mas me contentaria com o fato delas terem os mesmos direitos que eu, cujas graciosas banhas são expostas eventualmente no verão.
Assim como alguns homens têm usado saias para criticar as imposições de gênero, as mulheres podem sair às ruas sem camisa. Gosto muito do espírito de liberdade e contestação vindo dessas manifestações. Relativizam estereótipos para afirmar identidades e liberdades de ser o que quiser.  Espero ainda viver num lugar onde todo mundo tenha direito às suas escolhas de gênero, orientação sexual e, é claro, ao próprio corpo.
Gabriel de Barcelos

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